“Certos
espíritos podem ser atraídos por coisas materiais; podem sê-lo por certos
lugares, que podem escolher como domicílio até que cessem as razões que o
levaram a isto.”
Allan Kardek
Numa noite de sábado em 1995, o casal de
amigos Estevão e Vera (nomes fictícios) seguia rumo á uma exposição
agropecuária na cidade de Mar de Espanha (MG), num Chevrolet Caravan. Fazia muito
frio com nevoeiro e chuviscava. Vera guiava com cuidado e iam conversando
amenidades quando Estevão brincou: - E se entrasse uma mulher na frente do
carro agora, o que você faria? – eles riram e repentinamente um vulto branco
saiu da mata ao largo da estrada e se colocou no meio da via obrigando Vera a
pisar no freio com toda força para não atropelar a estranha mulher de vestido
branco, molhada de chuva e com cabelos longos até a cintura. Os dois se
assustaram e ficaram ainda mais quando a mulher aproximou da frente do carro e
começou a socar o capô com força, gritando palavras incompreensíveis. Estevão
falou á Vera que engatasse a marcha ré para saírem dali, mas apavorada ela deixou
o carro morrer. Então a mulher andou até a porta do motorista e começou a socar
o vidro com força enquanto gritava: - Me deixa entrar, me deixa entrar! - mas
eles não conseguiam ver sua face porque o vidro estava embaçado. Ela gritava e
sacudia o carro, mas mesmo em pânico Vera conseguiu ligar o motor e saíram em
disparada pela estrada deixando a estranha figura para trás.
Numa madrugada de junho, em 1976, um
português de nome Vilarinho acompanhado de sua esposa acabava de iniciar a subida
da serra depois de Duque de Caxias (RJ) rumo á cidade de Juiz de Fora (MG) num
Volkswagen Variant. Naquela época ainda não havia a BR-040 e a antiga Estrada
União Indústria era de mão dupla obrigando-os a seguirem em baixa velocidade,
ainda mais com nevoeiro. A viagem correu tranquila até que de repente surgiu um
carro preto adiante no meio da névoa. Vilarinho estranhou porque ele parecia ter
acessado a rodovia pela encosta á esquerda, coberta de mato, mas sua esposa
afirmou que devia haver alguma estradinha que passou despercebida. Ele deu de
ombros e continuou a viagem olhando o que lhe pareceu ser um velho carro
americano, tão sujo que não era possível ler a placa e aparentemente tinha
apenas o motorista. Aquilo lhe deu um pouco de aflição, então decidiu
ultrapassá-lo, mas quando acelerou, ele acelerou também quase desparecendo no
nevoeiro. Vilarinho desistiu, pois não achava seguro correr naquelas condições;
mas logo o carro preto diminuiu a marcha, tornando a se aproximar. O português
tentou ultrapassá-lo mais duas vezes e acontecia a mesma coisa, até que um
ônibus surgiu por trás, buzinando e com seta piscando à esquerda indicando
ultrapassagem. Ele manteve-se á direita para que o ônibus o ultrapassasse e
certamente ao carro preto também. O ônibus ultrapassou e buscou a pista da direita
de modo tão abrupto que fatalmente abalroaria o carro logo á frente. Assustado
Vilarinho diminuiu a marcha ante a eminência do acidente, só que não aconteceu
nada e as lanternas traseiras do ônibus da viação Util sumiram nas curvas da
estrada.
- Não bateu, como assim? – se
perguntaram, pois não viram qualquer indício de acidente ao largo da pista. Mais
adiante havia um restaurante chamado Piabanha
onde os coletivos da viação Util faziam parada. Os portugueses pararam e
reconheceram o ônibus da ultrapassagem; então se aproximaram do motorista perguntando
sobre o veículo que seguia adiante da sua Variant.
– Não havia nenhum carro preto á frente,
a estrada estava livre! – foi sua resposta.
Em 18 de setembro de 1960 cinco pessoas
faziam uma viagem noturna, numa Rural Willys, de Luisiânia (GO) rumo á
Brasília; a então recém-inaugurada Capital Federal brasileira. Até a meia noite
tudo transcorreu normalmente quando o marcador de temperatura do motor
demonstrou aquecimento. O motorista parou e junto com um dos passageiros foi
verificar o que ocorreu, já imaginando o rompimento da correia do ventilador do
radiador; porém, ela estava intacta e não conseguiram descobrir a razão daquele
súbito aquecimento. Já iam entrando de volta no carro quando o passageiro foi
atingido por uma pedra na testa, ferindo-o, seguida de uma saraivada de
pequenos pedregulhos que vinham dos arbustos marginais á rodovia. Uma
passageira que estava á janela quase foi atingida por uma pedra, que,
estranhamente, pousou mansamente sobre suas pernas. O motorista olhou em torno
e pareceu-lhe ter visto vultos escondidos atrás dos arbustos enquanto outro
passageiro sacava uma arma de fogo desferindo disparos para espantar o que
imaginou serem bandidos tentando um assalto, mas o apedrejamento continuou,
obrigando-os a entrar no carro e saírem rápido.
Havia um posto policial adiante e
decidiram informar ás autoridades sobre o incidente. Um soldado armado pediu
que o levassem ao local do apedrejamento e em pouco tempo chegaram ao lugar.
Contudo, mal saíram da Rural para serem novamente alvejados com uma chuva de
pedras e o motorista manobrou para que os faróis iluminassem os arbustos de
onde vinham as pedras enquanto o soldado saia pelo mato com lanterna e arma nas
mãos, mas não encontraram ninguém escondido. No posto policial foi feita a
ocorrência e decidiram seguir viagem á Brasília.
Mas após alguns minutos na estrada, recomeçou
o apedrejamento e a porta do carona começou a se abrir. Conseguiram fechá-la,
mas foi só largar a maçaneta para a porta se abrir novamente sendo preciso
segurá-la com toda força para mantê-la fechada. Então iniciou um chuvisco de
areia sobre a cabeça dos ocupantes que parecia vir do teto do carro ao mesmo
tempo em que lhes pareceu ver um vulto correndo ao lado do carro, á mesma
velocidade, e isto seria impossível! Apavorado, o motorista acelerou mais ainda
o carro com os passageiros cobrindo os olhos para não serem feridos pela areia.
Ao chegarem á Brasília, ás duas horas da
madrugada e exaustos, seguiram ao hotel sem relatarem o acontecido a ninguém.
Na manhã seguinte o motorista foi examinar a Rural imaginando que as pedradas
deviam ter arranhado a pintura e devia haver areia no interior. Mas não havia
um arranhão e não tinha um grão de areia sequer nos bancos ou no assoalho do
carro, e nem nas suas roupas. As únicas provas do episódio era o corte na testa
do passageiro e um arranhão no braço do que segurou a porta, evitando que se
abrisse.
Estas três narrativas poderiam compor um
imaginário que poderíamos definir como “estradas assombradas”. No folclore
brasileiro há inúmeras lendas de assombrações que vagam pelas estradas
assustando viajantes, como o “Pilão de
Fogo” ou “Mão de Pilão”: um
demônio com o corpo em labaredas que persegue e queima quem cruza seu caminho;
o “Galo Depenado”: um enorme galo
totalmente sem penas que se apodera dos pertences dos viajantes depois de
matá-los a bicadas e esporadas. O “Maty-Taperê”
ou “Matita-Pereira”: um índio que
vive nas aldeias abandonadas e se transforma numa enorme ave que com seu
guincho faz os viajantes se perderam nos caminhos; o “Cavalo das Almas”: um cavalo preto que aparece nas estradas ás
noites para recolher os mortos recentes, levando suas almas à garupa para o
inferno; e ainda a “Porca-dos-Sete-Leitões”
que dizem ter sido uma bela mulher que tinha sete filhos, que, muito arrogante,
teria expulsado um feiticeiro de suas terras. Por vingança ele a transformou
numa porca e seus filhos em leitõezinhos que soltam fogo pelos olhos narizes e
bocas, que vagam pelas estradas assustando viajantes com seus urros nas
encruzilhadas (percebem-se semelhanças com o mito de Niobe da tradição
Greco-romana).
Há também uma larga gama de histórias de
assombrações em forma de mulheres de branco que vagam pelas estradas e
rodovias, sempre ás noites. Nos canais do YouTube existem inúmeros vídeos com
aparições de fantasmas de mulheres vestidas de branco que surgem vagando errantes
no meio da pista ou no acostamento sem nenhuma razão para estarem ali á aquela
hora, apavorando os motoristas (mas a maioria são vídeos de autenticidade
duvidosa). Entre motoristas de caminhão existiria uma variação em que a mulher pode
aparecer vestida de noiva e pede carona em estradas e postos de gasolina,
sempre á noite. Quando o motorista para, não há ninguém, ou quando a
“assombração” aceita e entra na boleia, transforma-se num demônio com cabeça de
caveira e mata o motorista. Em algumas estradas norte-americanas haveria lendas
de uma loira nua que surge nas madrugadas guiando um conversível branco, e ao
ultrapassar um carro ou caminhão, enfeitiça o motorista que passa á persegui-la
até chegar á uma curva fechada, quando ela desaparece e o motorista despenca no
abismo. Dizem que é o fantasma de uma jovem estuprada e assassinada. São
variações do mesmo mito em regiões e países distintos.
A parapsicóloga Elsie Dubugras (São
Paulo, 1904 – 2006) afirmou que histórias de assombrações, aparições, barulhos
e outros fenômenos merecem estudo especial, pois se realmente ocorreram, é
preciso descobrir por que e como foram provocados e pode haver uma explicação
normal. A mulher que saiu da mata e assustou os dois jovens na Caravan, poderia
perfeitamente ser uma pessoa pedindo ajuda, portadora de alguma perturbação
psicológica ou mesmo alcoolizada. O carro preto que surgiu na estrada adiante
do casal Vilarinho, poderia realmente ter acessado a via por uma estrada
vicinal, e ter acelerado rápido antes que o motorista do ônibus pudesse vê-lo e
entrado em outro acesso ao longo da via. No caso da Rural que apresentou súbito
aquecimento de motor sem explicação, há um detalhe técnico nos motores
“Hurricane” que equipavam veículos da marca Willys Overland: eles funcionavam á
temperaturas mais elevadas que o convencional e isto poderia ser confundido com
alguma anomalia. E quanto aos pedregulhos, devemos lembrar que a estrada que
levava á Brasília em 1960, embora fosse asfaltada, poderia ter cascalho solto
sobre o pavimento que arremessado ás caixas das rodas da Rural produziriam
barulho. Mas a areia no interior do veículo (aporte) e a porta se abrindo não
encontrariam explicações naturais.
O parapsicólogo holandês George Zarab
considerava que tanto em casos de assombrações como nos de poltergeist, era
imprescindível a presença de pessoas, ou médiuns, que forneceriam a energia
necessária ao acontecimento de fenômenos paranormais, ou sobrenaturais. No
primeiro caso, o fato de Estevão ter dito “e
se entrasse uma mulher na frente do carro agora, o que você faria?”,
poderia ter funcionado como uma espécie de gatilho para a manifestação de
energias á presença de um médium, que poderia ser tanto Estevão como Vera, que
se materializariam na figura de uma mulher na escuridão da noite na estrada,
mas não como um espírito, mas um estereótipo cultural engastado no imaginário
coletivo do “fantasma da mulher de branco”, poderoso a ponto de produzir
sensações audíveis e sensoriais de batidas na lataria do carro. No caso do automóvel preto que apareceu na Estrada
União Indústria, quase do nada, haveria uma hipótese defendida por
parapsicólogos, de que certas cenas poderiam estar tão telepaticamente
carregadas, que um sensitivo (médium) ao penetrar no ambiente onde o fato
ocorreu, inconscientemente, reanimaria a cena como uma espécie de holografia.
Por isto o casal Vilarinho poderia ter visto a imagem de algo acontecido anos
atrás, (um carro seguindo pela estrada) que, ao seu turno, não foi captada pelo
motorista do ônibus da viação Util. Seriam ambos, Vilarinho e a esposa,
médiuns?
Ainda sobre o caso da Rural Willys
seguindo rumo a Brasília, cumpre citar o pesquisador Roger Laffororest (Paris,
1905 – 1998) quando fala de fenômenos poltergeist, aportes e movimentações de
objetos sem intervenção física, como frequências vibratórias atuando em
vórtices de energia, ou caixas de ressonâncias de energias telúricas, que em
tese, cortariam a terra á semelhança dos paralelos e meridianos. É dito que o
Planalto Central do Brasil é repleto de energias capazes de criar esses
vórtices, que poderiam se manifestar como poltergeist na presença de agentes,
ou médiuns, que produziriam os fenômenos de deslocamento de objetos, como
apedrejamentos e aportes. Quanto aos vultos nos arbustos e correndo ao lado da
Rural em velocidade, poderia ser uma projeção criada como explicação para
aqueles fenômenos. O cineasta e ator brasileiro José Mojica Marins (São Paulo,
1936 - 2020), o famoso Zé do Caixão, que também é pesquisador de fenômenos parapsicológicos
afirmou que haveria uma necessidade de crer no sobrenatural como explicação
para aquilo que não se explica naturalmente, daí a visualização de vultos como
fantasmas. Se poderia ainda perguntar: quantos seriam os médiuns entre os
passageiros da Rural? Portanto, citando novamente Elsie Dubugras, as respostas
para fatos paranormais não são tão simples, agradáveis ou fáceis de aceitar.
Assim, não estaria descartada a hipótese de realmente serem intervenções de
espíritos de desencarnados, ou almas penadas, que também se manifestariam á
presença de médiuns!
FIM
Referências bibliográficas:
ACUIO, Carlos, O Folclore dos Nossos
fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 147, p. 98 –
105, outubro de 1972.
DO RIO e de São Paulo até Brasília,
revista Quatro Rodas, São Paulo, Editora Abril, numero 02, p. 73, setembro de
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DUBUGRAS, Elsie, As Casas Assombradas,
Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 147/-A, p. 16 – 21,
dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Chuva de pedras
(verdadeiras) em Goiás, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo,
Grupo de Comunicação Três Ltda., numero 147/-A, p. 44 - 45, dezembro de 1984.
DUBUGRAS, Elsie, Os Fantasmas de Borley
House, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de
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DUBUGRAS, Elsie, Toques e sons
Paranormais, Fronteiras do desconhecido, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de
Comunicação Três Ltda., numero 145/-A, p. 11 – 15, dezembro de 1984.
LAFFOREST, Roger, Casas que Matam,
citado por: MACHADO, Adilson, PIRES, Iracema, Paredes com Memória, Maldições
antigas e Radiações Telúricas, Revista Planeta, São Paulo, Grupo de Comunicação
Três Ltda., numero 77, p. 28 – 33,
fevereiro de 1979.
MARINS, José Mojica, citado por ACUIO,
Carlos, O Folclore dos Nossos fantasmas, revista Quatro Rodas, São Paulo,
Editora Abril, numero 147, p. 105, outubro de 1972.
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