O
professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora,
José de Arimatéia, entrou afobado na sala de aula onde alguns alunos o
aguardavam. Ele estava meia hora atrasado e desculpou-se: - Desculpem; eu tive problemas
com o carro, uma batida bobinha! – os alunos se entreolhavam e José se colocou
diante da classe: - Este contratempo me fez refletir sobre este objeto tão
querido pela nossa sociedade industrial, chamado automóvel! – era seu costume
andar enquanto proferia a aula, dizia que era peripatético. E prosseguiu: - O
termo vem da junção do prefixo grego “auto” á palavra em latim “móbile”, ou seja,
o que se move por si mesmo. Ao contrário das carruagens que necessitam de
tração animal externa para se locomoverem, os automóveis possuem propulsão
própria graças aos motores neles instalados. Mas isto faz deles realmente um
objeto que se move por si mesmo?
-
Sim, professor! – respondeu um aluno.
Nisto,
outro aluno chamado Roberto também chegou atrasado, entrou na sala e se sentou
na última carteira. Olhou para frente e não viu o professor que tinha se
abaixado para apanhar sua caneta no chão, que levantou e continuou: - Mas a sua
resposta pode suscitar dois questionamentos: - ele viu Roberto no fundo da
sala, e seguiu: - Os veículos automotores tem capacidade de se mover, porém,
não totalmente sozinhos, pois precisam de alguém que os guie, pelo menos até
que se tornem autômatos, certo? Mas e se a mão que os guia não pertencer ao
mundo físico, mas ao metafísico? – olhou-os. – Mais especificamente ao mundo do
ocultismo e da paranormalidade?
Todos se entreolharam, até Roberto falar: -
Isso não existe!
José
o inquiriu: - Por que não senhor Roberto?
-
Porque espíritos não teriam corpo físico para controlar a direção de um automóvel,
e duvido que haja alguém com tanto poder na mente para tal!
-
Hum, eu concordo em parte. – respondeu José: - Mas vamos lembrar que ocorreram
experimentos onde se conseguiu mover um trem de brinquedo apenas com as ondas
cerebrais! A parte em que concordo com o senhor, é porque um automóvel seria
bem mais complicado de mover do que um trenzinho elétrico ligado á eletrodos
fixos á cabeça de uma pessoa! Mas,... E se não houver eletrodos, e sim uma
espécie de energia capaz de interagir com o ambiente de tal modo que os
movimentos de um automóvel se tornem quase autômatos?
Roberto
riu: - O professor está querendo dizer fantasmas ou carros assombrados? Isso é
ridículo!
-Ele
respondeu: - Podemos considerar o ceticismo uma boa ferramenta para não crermos
em qualquer coisa. No entanto, vou apresentar três casos que podem colocar a
lógica em dúvida face ao imensurável! – ele encostou-se á mesa e perguntou: -
Já ouviram falar de James Dean?
-
Sim. – respondeu Roberto. - foi um jovem ator de cinema que morreu num acidente
de carro. Foi um fantasma que o provocou?
Há
um leve riso na sala e José continuou: - Não, foi á imprudência! Mas permita-me
explicar á classe o que ocorreu. James Dean, além de ator, era piloto de
corridas e em 30 de setembro de 1955 adquiriu um Porsche Spyder 550-1500s prata
que usaria em competições. Para personalizar o carro, mandou escrever “little bastarad”
na traseira. Traduzindo: “pequeno filho da puta” em inglês! – a classe riu;
menos Roberto. – Naquele mesmo dia ele pretendia conduzir seu carro até a pista
de corridas da cidade de Salinas, na Califórnia, para participar de uma
competição. Porém, quando seguia pela rodovia em alta velocidade, acabou
colidindo com outro carro que vinha em sentido contrário. Infelizmente ele e não
teve tempo de chegar ao hospital, falecendo dentro da ambulância. Foi um trauma
para toda uma geração! Mas vamos focar no que aconteceu com o Porsche que ficou
totalmente destruído após o acidente, irrecuperável, aproveitando-se somente as
peças. Seu motor foi vendido á um piloto chamado William Eschrich, que morreu
numa competição em 1956, e o motor equipava seu carro na ocasião era o do carro
de Dean. O câmbio e a suspensão traseira foram vendidos á outro piloto Chamado
Troy Mc Henry que também morreu numa competição no mesmo ano, e seu carro
estava com as peças do “little bastard”, que mesmo depois continuou a fazer
vítimas. Quando seguia á Los Angeles
para campanhas de trânsito, o Porsche caiu da carreta que o transportava
fraturando as pernas do ajudante do motorista. Ocorreram outros acidentes até
que os restos do carro foram vendidos á uma pessoa que não se identificou e os
esconde até hoje! – os alunos prestavam atenção. Roberto abanou a cabeça com
desdém.
O
professor prosseguiu: - Segundo caso. Vocês conhecem o livro “Christine” de
Stephen King, que até virou filme?
-
Sim! – respondeu Roberto. – A história de um garoto que compra um Plymouth 58
do capeta que até se conserta sozinho! Queria que meu carro fosse assim.
A
turma riu e José prosseguiu: - Todos nós gostaríamos de um carro
autoconsertante! Mas o carro que inspirou a história não foi um Plymouth, mas
um Dodge 330 Coronet 1964 que pertenceu ao Departamento de Polícia da cidade
americana de Old Orchard Beach e teria mais de vinte mortes atribuídas á ele. A
primeira ocorreu ainda em 1964, quando o Dodge teria atropelado uma criança de
dez anos que andava de bicicleta. Só que estaria vazio e andou sozinho. Três
policiais que o utilizaram nas patrulhas teriam cometido suicídio depois de
matarem suas famílias em ocasiões diferentes, além de outros que se feriram
também após o terem conduzido. Então em 1975 a polícia vendeu o carro pela
quantia de cinco dólares á Wendy Christine Allen, mas a trajetória de mortes em
torno do carro não cessou. O acidente que matou a criança anos antes se repetiu
diante da casa de Wendy da mesma maneira. O menino também tinha dez anos e
morreu. Nos anos seguintes cerca de quatorze pessoas morreram ou ficaram feridas
ao terem contato com o carro, e isto chamou a atenção de religiosos que atribuíram
possessão demoníaca ao Dodge, e tentaram destruí-lo. Os líderes dessas
intentonas religiosas morreram em acidentes de carro esmagados e decapitados!
Uma criança que tentou entrar no carro para brincar matou seus pais e irmãos e
depois ateou fogo á casa. O carro foi roubado e desmontado num ferro velho, tendo
suas peças vendidas. Mas sua dona conseguiu reunir todas as suas partes, algo
extremamente difícil, e reformou o carro que hoje repousa na frente de sua casa
sem ninguém tocá-lo. Aparentemente sossegou!
Roberto
riu e cochichou: - Deve ter virado um lixo tão grande que ninguém quer nem de
presente!
José
ouvia os chistes do aluno e isto o aborrecia, mas prosseguiu: - E para não
ficarmos apenas nas histórias de pessoas e carros célebres, vou contar um caso
ocorrido aqui na nossa cidade, em 1969, quando um cidadão chamado Geraldo
Brandão adquiriu um Renault Gordini verde claro ano 65. Um veículo usado que
ele pretendia usar no trabalho e no lazer com sua esposa e filho de cinco anos.
Geraldo era vendedor e faria viagens com o Gordini, e a primeira vez que o
colocou na estrada começou a sentir um cheiro forte de carniça dentro do carro!
Roberto
o interrompeu: - Devia ser o catalisador que fede pra caramba dentro do carro!
– e riu de leve.
Um
tanto irritado José retrucou: - Não existiam catalisadores nos carros naquele
tempo! Posso prosseguir senhor Roberto?
-
Sim professor! – respondeu com sorriso desafiador.
-
Bem. Ele parou num posto de gasolina para verificar o que era. Os funcionários
do posto chegaram a retirar os bancos não encontrando nada, e o cheiro acabou
tão repentinamente como iniciou! Dias depois, ele saiu de casa com esposa e filho
para ir ao centro da cidade, e ao fazer uma curva a direção travou fazendo o
carro subir na calçada e por pouco não despencou num barranco por que Geraldo
conseguiu acionar o freio de mão! Ele levou o carro á oficina que não encontrou
nada de errado na caixa de direção que justificasse seu travamento. Em nova
viagem repetiu-se o fedor de carniça, sem se descobrir o motivo. Então ocorreu
um episódio que poderia ter tido final trágico: o Gordini estava estacionado em
frente á casa da família de Geraldo na Rua Luis Perri, que é em declive, e seu
filho estava brincando no portão quando o carro começou a descer a rua subindo
na calçada e só não atropelou o menino porque um vizinho o puxou a tempo dele
bater no umbral do portão. As pernas do garoto seriam esmagadas no choque!
Novamente ao levá-lo na oficina, não foi encontrado nenhum problema nos freios.
Geraldo foi aconselhado a vendê-lo, e o fez bem rápido! Alguns dias depois,
soube da notícia que o negociante que o adquiriu foi mostrá-lo o á um cliente
na Estrada do Cristo e o Gordini teria perdido os freios caindo numa
ribanceira, matando o negociante e o comprador. Na perícia, não encontraram
nada de errado nos freios! O carro foi levado ao pátio da polícia e não se teve
mais notícia dele. – deu de ombros. – Deve ter virado sucata!
Roberto
passou a mão no rosto e perguntou: - Professor; o que o senhor quer que pensemos
ao contar essas histórias, que existem carros assombrados?
-
Não é tão simplório assim, senhor Roberto. Apenas estou dizendo que não devemos
ignorar a existência de fatores extraordinários que poderíamos chamar até de
espíritos, atuando no plano físico!
-
Ora professor, por favor, eu nem acredito que estou ouvindo isto na sala de
aula de uma universidade! Tem explicação lógica para isto no que o senhor chama
de espíritos!
-
Podemos conhecer estas explicações, senhor Roberto?
Ele
debruçou na carteira e todos o olharam falar: - Vamos ao ator piloto de
corrida: o professor pulou uma parte da história, ou desconhece o fato de que o
Porsche de James Dean apresentou problemas no freio antes da viagem á Salinas,
tanto que foi aconselhado a levar o carro de carretinha; mas ele teimou e foi
guiando com pé embaixo! Nada de assombração, foi uma tragédia anunciada, né
professor?
-
E as mortes e acidentes que aconteceram depois, como se explica?
Ele
sorriu irônico ao responder: - Pilotos morrem em acidentes nas pistas desde o
tempo das corridas de bigas na Roma antiga, e o fato de o carro ter caído do
caminhão em cima do ajudante do motorista se chama falta de atenção á
segurança, ainda mais no transporte de um carro batido! Quanto á Christine:
pelo amor de deus professor; histórias de policiais que piram e fazem
atrocidades há aos montes! O Dodge era um carrão americano que devia ser
automático, e carros com caixas automáticas podem andar sozinhos com o câmbio
deixado nas posições de marcha ao invés do neutro ou “parking”. E como o senhor
mesmo disse, grupos de religiosos cismaram que o carro era possuído pelo diabo
e devem ter inventado isto por que tem uma parte do caso que o senhor não sabe:
a dona que comprou o carro, Wendy Allen, era tida como bruxa! – riso. – Prato
cheio para fanáticos que vêm Satanás em tudo! E, cá pra nós: deve ser tudo
invenção para promover o livro e o filme do Stephen King. Sabemos que Hollywood
é craque em criar factoides para promover suas produções!
O
professor assentiu e disse: - Realmente, senhor Roberto, suas colocações são
pertinentes!
-
Obrigado professor! De boa, eu também curto histórias de carros. Até sei de uma
que me contaram sobre seu carro!
-
É mesmo; podemos saber o quê?
-
Que o seu Chevrolet Caravan já foi carro funerário! É verdade?
Todos
olharam o professor, que ficou um tanto constrangido. – Sim, eu o adquiri num
leilão de carros oficiais, mas tinha ciência de que tinha pertencido ao serviço
funerário.
-
Fale direito professor: pertenceu ao Instituto Médico Legal! O senhor não tem
medo de que seu carro viesse acompanhado dos fantasmas dos defuntos que ele
transportou?
-
Não,... – José ia responder, mas Roberto o interrompeu: - Não acha que seu
carro pode estar cheio de fatores extraordinários, ou espíritos, que podem não
gostar de ver o veículo que os transportou para o necrotério em uso e tentem se
vingar, e até matá-lo?
Ele
ficou sem argumentos. Então uma colega entrou rápido na sala. – Pessoal, eu
preciso falar uma coisa! – ela não viu o professor. – Aconteceu uma coisa muito
triste: um docente que todos conhecemos, sofreu um acidente horrível, e veio a
falecer! - os alunos se espantaram e José perguntou com apreensão: - Qual
professor se acidentou?
-
Uma tragédia! – a moça não o ouviu: - Ele colidiu numa árvore quando vinha para
o campus e morreu na hora!
- Qual professor morreu, fala garota?
José
tinha deixado sua caneta cair de novo, se levantou e ela o viu: - Ah, desculpe
professor,... Eu quis dizer discente!... Nosso colega Roberto Carlos Dimitrov é
que morreu neste acidente na Estrada do Cristo! – todos olharam para trás e a
última carteira estava vazia.
Ocorreu
um silêncio sepulcral na sala até um colega falar: -... O Roberto tinha um
carro antigo que usava no dia a dia.
-
Por caso seria um Renault Gordini,... Ano 65?
-
Sim professor. E era verde,...
Fim
Parabéns meu amigo,trabalho lindo.
ResponderExcluir